Ranchinho, o nosso caipira

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Alguns anos atrás, o político Aloizio Mercadante, cuja família é de Jacareí, em campanha eleitoral e querendo mostrar ao povo sua origem interiorana, declarou ser “Caipira de Jacareí”. Muita gente não gostou achando que ele, mesmo inconscientemente, estaria menosprezando nossa cidade. Mas o caipira, referência quase exclusiva do interior de São Paulo, tem uma grande riqueza cultural. Jacareí, como pode, procura preservar e difundir essa tradição, seja transformando o bolinho caipira em patrimônio cultural do município ou promovendo eventos de violeiros e artistas locais.

 

Reforçando nossa caipirice, a cidade tem um filho ilustre representando esta tradição. Aqui nasceu, em 23 de maio de 1913, Diésis dos Anjos Gaia, nacionalmente conhecido como Ranchinho e que formou junto com Murilo Alvarenga, um mineiro de Itaúna, uma das mais populares duplas sertanejas de todos os tempos: Alvarenga e Ranchinho.



Diésis dos Anjos Gaia


Primeiro filho de Cecília e Theódulo Gaia, Diésis tinha um irmão chamado Thesis, que na década de 1930 também participou de uma famosa dupla caipira do Vale – Brinquinho e Brioso. Após o falecimento da mãe, seu pai se casou novamente e teve outros quatro filhos: Nemesis, Arsis, Chresis e Eleusis. Com a morte do pai, a família se mudou para Santos, onde Diésis começou a cantar aos 18 anos. Nesta época, interpretava músicas românticas na Rádio Clube local e uma de suas canções favoritas era “Rancho Fundo” de Ary Barroso e Lamartine Babo. Desta forma passou a ser apresentado como “Rancho”.

 

O encontro com Murilo Alvarenga deu-se no começo da década de 1930 durante uma serenata. Em 1933 quando a dupla foi formada, Diésis, como era baixinho, aproveitou o apelido e o modificou para Ranchinho. Em circos, cantavam em duas vozes, sendo o repertório composto basicamente de valsas, tangos e chorinhos. Estranhamente, a platéia ria quando a dupla cantava e aproveitando este fato passaram a incluir piadas entre uma música e outra, do mesmo modo que faziam Jararaca e Ratinho. Algum tempo depois a dupla seguiu para São Paulo, mudando também a maneira de vestir e  falar, incorporando o tradicional personagem caipira: camisa xadrez, chapéu de palha e botas de cano curto.

 Em 1934 passaram a trabalhar na Rádio São Paulo e no ano seguinte a dupla participou do primeiro filme falado feito em São Paulo, “Fazendo Fita”, após serem abordados na rua pelo produtor da obra. Em 1936 partiram para o Rio de Janeiro e após apresentações da Rádio Tupi, gravaram o primeiro disco pela Odeon. Com apenas três anos, a “dupla caipira” , que não nasceu na roça, foi contratada por Assis Chateaubriand e estreou nos Diários e Emissoras Associados. No mesmo ano fizeram a primeira apresentação internacional, em Buenos Aires. Em 1937, no auge do sucesso, passaram a fazer parte do elenco do famoso Cassino da Urca, local em que trabalharam até 1946, quando foi fechado pelo Presidente Eurico Gaspar Dutra. No Cassino faziam sátiras políticas de muito sucesso onde o publico se divertia e o governo nem tanto. Passaram a ter muitos problemas com a censura oficial, mas em 1939, no dia do aniversário de Getúlio Vargas, Alzira, filha do presidente, convidou a dupla para cantar no Palácio do Catete. Após ouvir as músicas, inclusive aquelas que se referiam a ele, Getúlio deu ordem para que as composições da dupla fossem liberadas em todo o país. Neste ano, Alvarenga e Ranchinho começaram a se apresentar também na Rádio Mayrink Veiga onde receberam o título de “Os Milionários do Riso”. Em 1950 foram a Portugal onde se apresentaram no Cassino Estoril. No fim da década, já na televisão, participaram nos principais programas da época, entre eles a Praça da Alegria. Neste período passaram a fazer também campanhas políticas para Juscelino Kubitschek e Ademar de Barros. Muitos foram os sucessos da dupla, mas podemos citar “Êh…São Paulo” e “Romance de uma Caveira”.

Alvarenga e Ranchinho


Durante a carreira, muitas vezes Ranchinho se afastou da dupla. A primeira vez se deu em 1938 e em todas as ocasiões ele sempre foi substituído por outros cantores. Alvarenga gostava muito de Diésis, mas Ranchinho, ao contrário do parceiro, apesar de muito engraçado, era boêmio, gostava de sair pelo mundo, bebia demais e faltava aos compromissos. Nestas ausências, Alvarenga tinha que trabalhar com outros cantores que continuavam a usar o nome do artista original. Ao todo, foram três os “Ranchinhos”. Em 1965, Diésis abandonou de vez a dupla. 

 

Mas o “Ranchinho, primeiro e único”, foi resgatado em 1981 por Rolando Boldrin por ocasião da estréia de seu Programa “Som Brasil”. Diésis que estava na cidade de Santos, pobre, desgarrado da família, cantando sozinho, bebendo e fumando demais foi levado para São Paulo onde começou a ser elogiado pelo público e pela crítica. Conseguiu largar a bebida mais não o tabaco. Nesta época, Ranchinho e Rolando Boldrin cantaram juntos muitas canções da “Criação Imortal de Alvarenga e Ranchinho”.


Som Brasil: Rolando Boldrin e Ranchinho


Diésis, o nosso Ranchinho, faleceu em 05 de julho de 1991, vítima de câncer no pulmão.


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